Notícia publicada na edição Nº129, de 1 a 7 de agosto de 2015, no Jornal Gazeta de Votorantim
Pessoas recolhem materiais recicláveis em meio ao lixo coletado na cidade |
Uma comissão formada pelos vereadores Eric Romero (PPS), Lê Baeza (PV), Marcão Papeleiro (PT) e Heber Martins (PDT), esteve na última quarta-feira (29), visitando o Aterro Sanitário de Votorantim. As reportagens da Gazeta de Votorantim e da TV Votorantim acompanharam a visita. No local, os legisladores se depararam com cerca de 70 pessoas, incluindo crianças, dividindo espaço com urubus, cachorros e roedores, na busca por materiais recicláveis. Nos arredores do aterro, existem precárias moradias improvisadas, além de vários veículos, a maioria deles do tipo Kombi, esperando para serem carregados com os materiais selecionados.
Um catador, que não quis se identificar, disse que o trabalho inicia-se à tarde e se estende até de noite, quando chegam os últimos caminhões. Há dois anos fazendo essa atividade, ele conta que chega a ganhar R$ 2 mil mensais e o que mais lhe incomoda é a presença de crianças no ambiente. Ele acredita que isso atrapalha a possibilidade de lutar pela liberação do trabalho. Segundo ele, tem crianças de três anos de idade que são levadas pelos pais, atitude que ele não concorda. O trabalhador tem uma filha de dois anos e disse que nunca a levou para o aterro.
Questionado se já houve uma conversa entre os trabalhadores para resolver essa questão das crianças, ele relatou que existem vários grupos de catadores e o diálogo entre os grupos nem sempre é fácil. Existe divergência entre os grupos, por isso não conseguem um acordo com relação a presença delas. Foi relatado, inclusive, que um novo grupo chegou ao local há duas semanas.
Já um outro catador, que também não quis se identificar, tem uma visão diferente, ele afirma que uma criança estar lá, junto com os pais, é melhor do que estar na rua. Ele pediu ainda para que os vereadores ajudem a legalizar a situação deles. Embora tenha a profissão de pedreiro, optou por ganhar a vida garimpando recicláveis em meio ao lixo.
Mesmo compreendendo que aquele é o meio de sobrevivência que as pessoas encontraram, os vereadores relataram ser inaceitável encontrar famílias naquelas condições e disseram que irão cobrar do poder público soluções para tirá-las dessa situação de risco, mas sem prejudicá-las. “Primeiro quero deixar bem claro que nós reconhecemos a importância que esse trabalho tem para essas pessoas. Nós sabemos que são famílias que sobrevivem desse trabalho, dessa seleção que é feita desses materiais no aterro sanitário. Mas nós não podemos olhar apenas essa questão, temos que olhar também a questão da saúde pública e da própria saúde dessas pessoas. O que nós vimos aqui hoje foi uma cena realmente que nos preocupa e muito, no mundo atual isso não é admissível”, disse o vereador Eric Romero apontando um possível caminho para resolver essa situação. “Precisamos desenvolver políticas voltadas a essas pessoas no sentido de oferecer a elas uma qualidade de vida melhor. Nós tínhamos em Votorantim e precisamos com certa urgência ampliar o projeto das cooperativas, da questão da reciclagem. Acho que isso é uma alternativa, que pode ajudar essas pessoas. Enquanto Câmara Municipal, deveremos elaborar um requerimento, algum documento, no sentido de cobrar do Poder Público Municipal, quais são os projetos, quais melhorias podem ser apresentadas para resolver e ajudar essa famílias, que necessitam com uma abrangência maior do apoio da prefeitura”, completa.
O vereador Heber Martins afirmou que o que viu é chocante e lhe fez refletir como estão sendo conduzidas as políticas públicas e que irá cobrar do executivo soluções. “São várias situações que pudemos presenciar. Posso dizer com todas as palavras é chocante. É degradante. Faz-nos refletir de que forma estamos fazendo nossas políticas públicas em nossa cidade. De como estamos tratando nossa cidade. Como estamos tratando nosso povo. Vimos muitas crianças entre lixo, entre os corvos. É um perfil que a gente gostaria que ninguém estivesse passando. Aproximadamente 100 pessoas, muitas de nossa cidade, outras da região, mas também fica a pergunta”, descreve. “O município precisa fazer sua parte. Percebemos que é um meio daquelas pessoas ganharem seus recursos, de sustentar sua família, mas não podemos coviver com essa possibilidade que estão fazendo hoje um trabalho, posso dizer, até escravo. Então temos que achar um meio, uma solução. O poder executivo com certeza sabe disso. Vamos cobrar o executivo para ver qual a proposta que ele tem. Lembro-me que nos governos passados foi interrompido porque não aceitávamos isso que nós vimos hoje. E hoje nós estamos nos deparando com tudo isso de novamente” diz.
Ele afirmou também a necessidade de solucionar a questão, lembrando os riscos de saúde que os trabalhadores estão sujeitos. “Nós sabemos que até uma jovem já faleceu em função do lixo. Estamos querendo cuidar das pessoas, cuidar de vidas. Isso pode, às vezes, até trazer alguns transtornos, nós sabemos disso. Mas queremos uma solução e nós vamos buscar uma solução, custe o que custar, porque dói na gente ver crianças catando esses reciclados para seu sustento, mas também, às vezes, comendo alguns alimentos para matar a fome. Eu fico pensativo, saio daqui muito triste, mas nós temos que buscar uma solução para essas famílias o mais rápido possível” complementa.
O sentimento é compartilhado pelo vereador Marcão Papeleiro, que também questionou o que o poder público tem feito pela cooperativa da cidade, cobrando investimento nesse segmento de atividade e com isso que pessoas não precisem se submeter a essas condições para tirar seu sustento. “É decepcionante. Nós, como representantes da cidade, ficamos decepcionados em encontrar as pessoas nessas condições. Elas estão no local porque precisam tirar o seu sustento, a sua sobrevivência. Mas nos deparamos com crianças em condições muito precárias, dividindo espaço com animais. Para nós é decepcionante isso. E o que a gente vê é que é responsabilidade do poder público. O poder público tem que dar uma condição para essas famílias tirarem seu sustento, mas uma condição mais favorável, não essas condições. Não adianta agora o poder público querer tirar as pessoas desse local. Porque tirar as pessoas é fácil. A questão é a seguinte: o que o poder público vai fazer para ajudar essas famílias? O poder público vai organizar essas famílias através de uma cooperativa, que nós já temos na nossa cidade? O que o poder público fez até hoje por nossa cooperativa existente na cidade? Ou seja, se as pessoas estão no local é porque hoje nossa cooperativa não atende a cidade toda, se atendesse a cidade toda, acabaria com uma grande parte desses recicláveis que vem para o aterro sanitário e essas pessoas não viriam ao local tirar o seu sustento”, diz. “Quero aqui dizer que somos favoráveis que as pessoas tirem seu sustento, mas não nessas condições. Eu creio que o prefeito da nossa cidade precisa tomar uma atitude para organizar essas famílias ou investir na nossa cooperativa para que essas pessoas possam tirar o seu sustento sim, mas de uma maneira mais humana e não nessas condições” analisa.
Lê Baeza disse que a situação que encontrou é muito triste e espera que o governo, em razão da visita e declaração dos vereadores, não expulse as famílias de lá deixando-as sem alternativa de renda e pede soluções para que a situação não continue com o está. “É muito triste de ver. Eu presenciei uma coisa muito triste, vendo as famílias tirando seu sustento dentro do lixo e o poder público não vê esse lado desumano, que na verdade já era para ter tomado uma solução, e não, simplesmente, tirar essas pessoas e deixar a ‘Deus dará’. Tem que dar uma solução para essas famílias. Por que não faz ecopontos para a reciclagem também? Já temos na cidade a coleta seletiva, que é muito pouco aproveitada, e vemos essas famílias, que muitas vezes tem que trazer as crianças para pegar o sustento de todos da casa”, conta. “Não quero que o poder público use da minha fala para expulsar as famílias daqui e sim arranjar soluções para elas, que elas estejam em um lugar digno para ganhar seu sustento, colocar os filhos deles na escola, na creche, para eles tirarem seu sustento. Infelizmente eu não esperava que ia ver dessa forma, mas tem aqui muitas famílias ganhando seu pão. Agora, de repente, por causa de uma fala da gente, vão lá e retiram a família e não trazem a solução. Espero que resolvam, mas não pegando essas pessoas, tirando do local e não dando outro caminho. Não dá para ficar na situação que está. É muito bicho, é perigoso pegar uma doença grave, e eles não têm onde recorrer, às vezes a pessoa não tem estudo. Precisa achar um local para que eles entrem no mercado de trabalho porque não dá para ver uma situação dessa. É triste”, complementa.
Nossa equipe de reportagem também observou que os trabalhadores não utilizam luvas, botas e máscaras. Ao ter contato direto com o lixo, as pessoas estão sujeitos a vários tipos de doenças, como a febre tifoide, a cólera, diversas diarreias, disenteria, tracoma e peste bubônica. É comum também sofrerem ferimentos em razão de vidros e outros materiais cortantes despejados pelos caminhões.
A lei número 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos no país em 2010, proíbe a atividade de catação nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos.
A Prefeitura de Votorantim informou que tem conhecimento que no local há catadores de recicláveis. De acordo com o poder público, “o local é invadido após o final do expediente normal do Aterro que se dá às 16 horas, inclusive por pessoas de outros municípios. E neste sentido, a Prefeitura realiza estudos para barrar o acesso ao local de pessoas não autorizadas e alheias aos serviços realizados no aterro”, informou por meio da assessoria de imprensa.
Questionada sobre quais opções a cidade oferece para esses trabalhadores não atuarem mais nessas condições, a Prefeitura de Votorantim informou que “quem quer trabalhar com recicláveis deve procurar a Cooperativa dos Catadores de Material Reciclável de Votorantim (Coopervot)”.
A composição do lixo urbano depende dos hábitos da população, mas estima-se que em torno de 65% do lixo doméstico gerado é de matéria orgânica e 35% de materiais que poderiam ser reciclados.
Em reportagem publicada pela Gazeta de Votorantim em 14 de fevereiro deste ano, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) informou que cerca de 110 toneladas de material reciclável são recolhidos mensalmente nas casas pela Coopervot e que esse número poderia bater a casa das 150 toneladas se considerado também os catadores que trabalham de maneira informal nas ruas da cidade. Ainda de acordo com dados fornecidos pela SEMA na ocasião, os caminhões de coleta levam para o aterro sanitário 2.150 toneladas mensais de lixo, o que concluiu-se que, somando com o material que é reciclado, a cidade recicla apenas 6,5% do lixo total gerado.
De acordo com a Prefeitura de Votorantim, atualmente a coleta seletiva atende 60% dos bairros e existe um estudo para ampliá-la em 40%, chegando a toda a cidade. Hoje, 38 pessoas trabalham na Coopervot.
Sobre a ativação de Ecopontos, a assessoria de imprensa encaminhou a seguinte resposta: “A Prefeitura vai implantar 4 Ecopontos no Município e trabalha atualmente na adequação de uma área para esse fim no Jardim Europa. Ainda não é possível estabelecer data para entrada em funcionamento dos Ecopontos devido às etapas a serem seguidas para suas instalações”. (Colaborou Luciana Lopez e Werinton Kermes)
Nenhum comentário:
Postar um comentário